Terceirização x Precarização x Especialização: uma análise do setor energético
Não se pode minar a terceirização através de um viés totalitário oriundo da precarização, até porque a precarização existe tanto em atividades meio quanto fim, em atividades próprias quanto impróprias.
“O mundo virando de cabeça para baixo e ainda se discute sobre terceirização”. Foi com esta expressão que Vantuil Abdala, ex-ministro e presidente do TST abriu o Seminário de Terceirização organizado pela revista Valor Econômico ocorrido em Brasília no dia 06/12/2011.
Em que pese o discurso inaugural do ex-ministro e presidente do TST, é fato que somente nos últimos meses cresceu consideravelmente o interesse da opinião pública nacional por este tema, mais precisamente após o marco temporal instalado pela audiência pública ocorrida no TST em outubro de 2011.
No que diz respeito à pertinência do assunto, é válido lembrar que este é um dos grandes debates do momento, ou seja, a realidade da terceirização, a sua dificuldade conceitual, o fantasma da precarização, a necessidade de especialização e de um marco legal regulatório.
De fato, dada a importância do assunto, tem-se um debate ainda incipiente quanto ao seu significado, bem como a sua situação diante de novos problemas, que a cada dia são postos diante da sociedade e do Direito, ou mesmo de antigos conflitos que ora são recolocados com uma nova "roupagem". E tais vícios apenas contribuem para que conceitos sejam cristalizados, sem a necessária problematização que acompanha a investigação científica.
Na verdade, há uma espécie de senso comum teórico que assimila conceitos e os tem como verdades óbvias, sem questionamentos em torno dessas idéias-chave que funcionam como pontos de partida para uma argumentação e, conseqüentemente sem se indagar sobre os seus fundamentos, os quais condicionam suas atividades, de forma a justificar a ordem posta, sem, no entanto, explicá-la, ou às vezes, até explicam, mas não convencem.
É o que acontece, por exemplo, com os inimigos ideológicos da terceirização que teimam em reduzir o seu discurso e significado como sinônimo de precarização, confundindo efeito com causa. Verifica-se, neste caso, que a questão ficou muito mais no plano ideológico e perdeu-se a razão.
De uma breve leitura, verifica-se que o debate ideológico instalado há quarenta anos em torno deste assunto foi marcado não tanto pela pureza de sentimentos, mas principalmente por interesses não confessados.
Posto isto, há uma necessidade de formular questões simples, lançando questionamentos hábeis a causar uma reflexão teórico-prática, além de desvendar outros significados para este tema, já bastante conhecido e de certa forma ainda de difícil solução.
Assim é que se lança o questionamento em torno desta problemática, respeitando-se precipuamente a pureza do discurso, a pluralidade dos sujeitos em questão e, consequentemente, a pluralidade de respostas que podem induzir a um pretenso debate, possível a partir dos diversos pontos de vista que incidem e criam o objeto, pois não há como se pretender cobrir todas as questões atinentes à complexidade deste tema, tendo em vista, a escassez de informações e de análises legais de tal realidade. E, é necessário que questionamentos se façam, na medida em que levantar questões é também interrogar-se.
Pois bem, é inconteste que a terceirização é um fenômeno irreversível e há um nítido desconforto causado pela insegurança jurídica instalada. E, como consequência, as empresas não tem como dimensionar os seus gastos e tampouco visualizar contratações futuras.
A falta de uma definição clara e legal de quais as atividades comportam a terceirização, a exemplo do conceito de atividade inerente preconizada no artigo 25, § 1º da Lei 8987/95, bem como a definição de atividade fim e meio inscrito na Súmula 331 do TST, instigam dúvidas tanto na aplicação da lei, como também dificulta os mecanismos de erradicação do problema, vez que a fragilidade dos conceitos confundem os agentes e operadores do direito, gerando um sem número de decisões conflitantes.
Fato é que no universo jurídico não existe conceito de atividade meio, o Código Civil desconhece a figura da responsabilidade subsidiária e a Lei 8987/95 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos estabelece textualmente no artigo 25, § 1º que as atividades inerentes são plenamente terceirizáveis.
E nessa discussão legal regulatória, apesar de não existir um referencial legal objetivo é que aparece o PL 4330/04 de autoria do deputado Sandro Mabel que pretende, dentre outras coisas, eliminar o campo da subjetividade. Não há o que reverter algo irreversível, mas regulamentar.
Ademais, não podemos quedar inertes ante a uma realidade legal construída há quarenta anos que basicamente não se enquadra nos modernos conceitos e realidades instaladas. Não há, por exemplo, como se dividir atividade meio e atividade fim no setor automobilístico, pois todas as etapas são de fundamental importância.
Não se pode minar a terceirização através de um viés totalitário oriundo da precarização, até porque a precarização existe tanto em atividades meio quanto fim, em atividades próprias quanto impróprias. Se formos na gênese da precarização, deveria ser proibido importar artigos chineses, pois, sabe-se que quase tudo na China é feito por mão de obra precária. Porém, não é acabando com a terceirização que vamos conseguir acabar com precarização, na verdade, pensar desta forma é naufragar em um delírio onírico. Não se resolve um problema, criando outro.
Infelizmente, muitos persistem em olhar este problema através de óculos míopes e acinzentados com o enfadonho discurso de ceifa da terceirização, como se a alternativa para o Brasil fosse assim tão simples. Temo que se acabarmos com a terceirização, a precarização do trabalho no Brasil atingirá níveis alarmantes, pois alcançará um contingente avassalador de mão de obra formal, sem falar, é claro, na fuga do empresariado e na própria exportação desta mão de obra e de vagas nacionais - e o que é pior - para estes mercados notoriamente precários.
Nesta esteira, o que se deve acabar é com o exagero do discurso da precarização e com a eterna discussão do que seja atividade meio e fim e evoluir para o conceito de especialização, pois o que deve ocorrer é a especialização das diferentes cadeias produtivas com a busca da eficiência econômica. Isso é fato! A realidade econômica, nesse aspecto, é inexorável.
Adam Smith, em 1776 na obra intitulada a Riqueza das Nações já falava da necessidade de divisão do trabalho em tarefas atomizadas. Atualmente, convive-se com a nítida desverticalização das empresas. Em virtude das crises econômicas, há uma premente necessidade de especialização por uma evidente busca da eficiência econômica. A especialização colabora com a eficiência.
O modelo fordista de produção em massa, onde a empresa assumia todas as etapas de produção em uma verticalização agressiva, caiu em desuso desde a década de 70, pois, neste antigo modelo, não era necessária a qualificação dos trabalhadores.
No setor energético, o próprio ambiente regulado exige a necessidade de especialização, pois, o regulador captura a eficiência econômica em prol da modicidade tarifária.
A distribuição de energia atua no âmbito de um mercado fortemente regulado, trata-se de um verdadeiro monopólio geográfico na regulação tarifária, portanto, o setor energético é o mais universal de todos, trata-se, conforme dados obtidos de atualmente 67 milhões de consumidores, com aproximadamente 2 milhões de ligações novas, gerando em torno de 44 bilhões de encargos e tributos.
Para a construção de redes subterrâneas, por exemplo, é necessário profissionais especializados na obra de construção civil, para a construção de linhas de transmissão são necessários profissionais com expertise em máquinas pesadas. Ou seja, a inovação tecnológica encontra na especialização uma aliada, evoluindo ainda para tornar as atividades mais seguras, reduzindo, portanto, acidentes de trabalho. Quanto maior a eficiência, maior a tecnologia, refletindo em tarifas mais baratas. Tarifas mais baixas traduzem ainda um excelente vetor de competitividade, com o mercado se movimentando e o consumidor da ponta é quem ganha. Um mercado maduro implica maior participação no setor de serviços
É por demais óbvio que os níveis de especialização admitem escalonamento, a exemplo da alta especialização, quando se opera em máquinas pesadas e baixa especialização quando se trabalha com poda de árvores. Neste caso, a igualdade é formal já preconizada no artigo 5º da CF, deve-se comparar os iguais com iguais.
Em arremate, partindo do pressuposto de que a terceirização em sua moderna roupagem de especialização trata-se de uma realidade inconteste, é necessário criar mecanismos legais de definição e eficiência, a fim de que os direitos advindos deste fenômeno não sejam tão somente declarados, mas garantidos e assegurados, pois, enquanto os privilégios constituem proteção de interesses de um determinado grupo ou classe, os direitos se apresentam como algo que deve a todos proteger.
No mais, os direitos tendem a estabelecer relações horizontais e de reciprocidade, em contrapartida com as relações verticais e hierarquizadas, decorrentes de um universo regulado por privilégios.
Por esse motivo, é imperativo que os diferentes atores sociais, incluindo os agentes e operadores do direito, bem como os próprios jurisdicionados, consolidem o seus discursos, com vistas a suprir as lacunas existentes no ordenamento acerca deste assunto através de um instrumento regulatório eficiente e eficaz, sem perder de vista a evolução da realidade e do próprio mercado.
Fonte: texto foi publicadopela Revista Jus Navigandi / jus.com.br
Escrito por Dra Ana Leticia da Silva Freitas Figueiredo
“O mundo virando de cabeça para baixo e ainda se discute sobre terceirização”. Foi com esta expressão que Vantuil Abdala, ex-ministro e presidente do TST abriu o Seminário de Terceirização organizado pela revista Valor Econômico ocorrido em Brasília no dia 06/12/2011.
Em que pese o discurso inaugural do ex-ministro e presidente do TST, é fato que somente nos últimos meses cresceu consideravelmente o interesse da opinião pública nacional por este tema, mais precisamente após o marco temporal instalado pela audiência pública ocorrida no TST em outubro de 2011.
No que diz respeito à pertinência do assunto, é válido lembrar que este é um dos grandes debates do momento, ou seja, a realidade da terceirização, a sua dificuldade conceitual, o fantasma da precarização, a necessidade de especialização e de um marco legal regulatório.
De fato, dada a importância do assunto, tem-se um debate ainda incipiente quanto ao seu significado, bem como a sua situação diante de novos problemas, que a cada dia são postos diante da sociedade e do Direito, ou mesmo de antigos conflitos que ora são recolocados com uma nova "roupagem". E tais vícios apenas contribuem para que conceitos sejam cristalizados, sem a necessária problematização que acompanha a investigação científica.
Na verdade, há uma espécie de senso comum teórico que assimila conceitos e os tem como verdades óbvias, sem questionamentos em torno dessas idéias-chave que funcionam como pontos de partida para uma argumentação e, conseqüentemente sem se indagar sobre os seus fundamentos, os quais condicionam suas atividades, de forma a justificar a ordem posta, sem, no entanto, explicá-la, ou às vezes, até explicam, mas não convencem.
De uma breve leitura, verifica-se que o debate ideológico instalado há quarenta anos em torno deste assunto foi marcado não tanto pela pureza de sentimentos, mas principalmente por interesses não confessados.
Posto isto, há uma necessidade de formular questões simples, lançando questionamentos hábeis a causar uma reflexão teórico-prática, além de desvendar outros significados para este tema, já bastante conhecido e de certa forma ainda de difícil solução.
Assim é que se lança o questionamento em torno desta problemática, respeitando-se precipuamente a pureza do discurso, a pluralidade dos sujeitos em questão e, consequentemente, a pluralidade de respostas que podem induzir a um pretenso debate, possível a partir dos diversos pontos de vista que incidem e criam o objeto, pois não há como se pretender cobrir todas as questões atinentes à complexidade deste tema, tendo em vista, a escassez de informações e de análises legais de tal realidade. E, é necessário que questionamentos se façam, na medida em que levantar questões é também interrogar-se.
Pois bem, é inconteste que a terceirização é um fenômeno irreversível e há um nítido desconforto causado pela insegurança jurídica instalada. E, como consequência, as empresas não tem como dimensionar os seus gastos e tampouco visualizar contratações futuras.
A falta de uma definição clara e legal de quais as atividades comportam a terceirização, a exemplo do conceito de atividade inerente preconizada no artigo 25, § 1º da Lei 8987/95, bem como a definição de atividade fim e meio inscrito na Súmula 331 do TST, instigam dúvidas tanto na aplicação da lei, como também dificulta os mecanismos de erradicação do problema, vez que a fragilidade dos conceitos confundem os agentes e operadores do direito, gerando um sem número de decisões conflitantes.
Fato é que no universo jurídico não existe conceito de atividade meio, o Código Civil desconhece a figura da responsabilidade subsidiária e a Lei 8987/95 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos estabelece textualmente no artigo 25, § 1º que as atividades inerentes são plenamente terceirizáveis.
E nessa discussão legal regulatória, apesar de não existir um referencial legal objetivo é que aparece o PL 4330/04 de autoria do deputado Sandro Mabel que pretende, dentre outras coisas, eliminar o campo da subjetividade. Não há o que reverter algo irreversível, mas regulamentar.
Ademais, não podemos quedar inertes ante a uma realidade legal construída há quarenta anos que basicamente não se enquadra nos modernos conceitos e realidades instaladas. Não há, por exemplo, como se dividir atividade meio e atividade fim no setor automobilístico, pois todas as etapas são de fundamental importância.
Não se pode minar a terceirização através de um viés totalitário oriundo da precarização, até porque a precarização existe tanto em atividades meio quanto fim, em atividades próprias quanto impróprias. Se formos na gênese da precarização, deveria ser proibido importar artigos chineses, pois, sabe-se que quase tudo na China é feito por mão de obra precária. Porém, não é acabando com a terceirização que vamos conseguir acabar com precarização, na verdade, pensar desta forma é naufragar em um delírio onírico. Não se resolve um problema, criando outro.
Infelizmente, muitos persistem em olhar este problema através de óculos míopes e acinzentados com o enfadonho discurso de ceifa da terceirização, como se a alternativa para o Brasil fosse assim tão simples. Temo que se acabarmos com a terceirização, a precarização do trabalho no Brasil atingirá níveis alarmantes, pois alcançará um contingente avassalador de mão de obra formal, sem falar, é claro, na fuga do empresariado e na própria exportação desta mão de obra e de vagas nacionais - e o que é pior - para estes mercados notoriamente precários.
Nesta esteira, o que se deve acabar é com o exagero do discurso da precarização e com a eterna discussão do que seja atividade meio e fim e evoluir para o conceito de especialização, pois o que deve ocorrer é a especialização das diferentes cadeias produtivas com a busca da eficiência econômica. Isso é fato! A realidade econômica, nesse aspecto, é inexorável.
Adam Smith, em 1776 na obra intitulada a Riqueza das Nações já falava da necessidade de divisão do trabalho em tarefas atomizadas. Atualmente, convive-se com a nítida desverticalização das empresas. Em virtude das crises econômicas, há uma premente necessidade de especialização por uma evidente busca da eficiência econômica. A especialização colabora com a eficiência.
O modelo fordista de produção em massa, onde a empresa assumia todas as etapas de produção em uma verticalização agressiva, caiu em desuso desde a década de 70, pois, neste antigo modelo, não era necessária a qualificação dos trabalhadores.
No setor energético, o próprio ambiente regulado exige a necessidade de especialização, pois, o regulador captura a eficiência econômica em prol da modicidade tarifária.
A distribuição de energia atua no âmbito de um mercado fortemente regulado, trata-se de um verdadeiro monopólio geográfico na regulação tarifária, portanto, o setor energético é o mais universal de todos, trata-se, conforme dados obtidos de atualmente 67 milhões de consumidores, com aproximadamente 2 milhões de ligações novas, gerando em torno de 44 bilhões de encargos e tributos.
Para a construção de redes subterrâneas, por exemplo, é necessário profissionais especializados na obra de construção civil, para a construção de linhas de transmissão são necessários profissionais com expertise em máquinas pesadas. Ou seja, a inovação tecnológica encontra na especialização uma aliada, evoluindo ainda para tornar as atividades mais seguras, reduzindo, portanto, acidentes de trabalho. Quanto maior a eficiência, maior a tecnologia, refletindo em tarifas mais baratas. Tarifas mais baixas traduzem ainda um excelente vetor de competitividade, com o mercado se movimentando e o consumidor da ponta é quem ganha. Um mercado maduro implica maior participação no setor de serviços
É por demais óbvio que os níveis de especialização admitem escalonamento, a exemplo da alta especialização, quando se opera em máquinas pesadas e baixa especialização quando se trabalha com poda de árvores. Neste caso, a igualdade é formal já preconizada no artigo 5º da CF, deve-se comparar os iguais com iguais.
Em arremate, partindo do pressuposto de que a terceirização em sua moderna roupagem de especialização trata-se de uma realidade inconteste, é necessário criar mecanismos legais de definição e eficiência, a fim de que os direitos advindos deste fenômeno não sejam tão somente declarados, mas garantidos e assegurados, pois, enquanto os privilégios constituem proteção de interesses de um determinado grupo ou classe, os direitos se apresentam como algo que deve a todos proteger.
No mais, os direitos tendem a estabelecer relações horizontais e de reciprocidade, em contrapartida com as relações verticais e hierarquizadas, decorrentes de um universo regulado por privilégios.
Por esse motivo, é imperativo que os diferentes atores sociais, incluindo os agentes e operadores do direito, bem como os próprios jurisdicionados, consolidem o seus discursos, com vistas a suprir as lacunas existentes no ordenamento acerca deste assunto através de um instrumento regulatório eficiente e eficaz, sem perder de vista a evolução da realidade e do próprio mercado.
Fonte: texto foi publicadopela Revista Jus Navigandi / jus.com.br
Escrito por Dra Ana Leticia da Silva Freitas Figueiredo
Comentários
Postar um comentário