Você não é a cadeira

O título do post pode até parecer meio óbvio na primeira leitura. Mas, meus caros amigos, garanto que não é tão óbvio assim. Vocês não imaginam a quantidade de pessoas que conheço no mundo corporativo que não fazem ideia de onde acabam seus traseiros e começam as benditas cadeiras nas quais sentam. São pessoas que confundem o que fazem com o que são. Suas identidades estão totalmente atreladas às suas funções e, sem elas, não sabem como lidar com o dia a dia. Confundem facilmente o “poder” que têm naquele momento (em função do cargo que exercem) com a sua importância como ser humano. Pense rápido: quantas pessoas você conhece que se encaixam nesse perfil? Profissionais que, quando confrontados com a pergunta “quem você é?”, respondem prontamente com seus cargos e patentes: “sou diretor xpto”, “sou gerente de departamento da empresa xxxxx”, “sou presidente da yyyyyy”.

O que eles ignoram é que “estão” e não “são”. Lembro-me da cara de assustado de um profissional do alto escalão de uma empresa quando ele me fez essa mesma pergunta em um jantar, eu respondi: “sou André Moragas, flamenguista, pai e de bem com a vida”. É claro que fiz para provocar e ver a sua reação, pois essa questão já me incomodava há algum tempo. Me senti como um E.T.. O sujeito me observou durante alguns segundos, tentando entender a minha resposta. Acabei ficando com pena do cidadão e disse meu cargo e empresa. O suspiro de alívio do moço parecia dizer: “graças a Deus, ele fala a minha língua”.

Mas quem dera se o problema estivesse só nessa confusão de apresentações. O que acontece na maioria das vezes é que essa síndrome aguda de personalidade (ou a falta dela) faz com que os profissionais (geralmente dos níveis mais altos da organização) comecem a, de fato, se comportar como se fossem a cadeira em que sentam. Acham que têm poderes ilimitados e que o cargo (seja ele qual for, gerente, diretor, vice-presidente) reflete a sua verdadeira identidade. Os extremos dessa situação são as conhecidas “carteiradas” que vêm precedidas da famosa pergunta “você sabe com quem está falando?”.

Ao longo da carreira, sempre me dei conta do “poder” que tinha a cadeira na qual estava sentando e mantinha a preocupação constante de não deixar que ela me contagiasse. Quando era repórter do Globo, sabia que as autoridades e os presidentes de empresas me atendiam não pelos meus belos olhos castanhos, mas pela bagagem que levava: algumas mil centenas de leitores. Ficava imaginando como seria se eu ligasse para as mesmas pessoas me identificando como repórter do “Diário do Amanhã” (o nome é fictício, é claro).

O mesmo continua valendo para hoje. Mesmo depois de 20 anos de mercado, e de ter um certo reconhecimento em alguns setores, tenho certeza de que não é apenas pelo meu nome que sou recebido ou convidado para fóruns diversos. É claro que a bagagem e conhecimento acumulados ao longo desses anos contam, mas o que acaba fazendo a diferença entre sentar na primeira fila (na turma do gargarejo) ou estar do lado dos que só enxergam o show com binóculos é o “poder” da cadeira na qual estou sentado.
O mais engraçado ainda é perceber a reação de pessoas próximas quando essa cadeira “diminui”. Tem gente que não consegue disfarçar e, de uma hora para outra, parece que nunca ouviu seu nome na vida. Já passei por muitos altos e baixos na carreira e a grande vantagem é que, depois desses períodos, consegui distinguir quem olha para você e quem olha para a cadeira na qual está sentado.

Bom, fica a dica: se sentar numa “cadeira poderosa”, tente não se contaminar. Continue sendo você mesmo e não deixe o sucesso subir à cabeça, ele pode ser momentâneo. E, como me disse uma vez um bom amigo, trate bem as pessoas quando estiver subindo, pois você vai encontrar as mesmas quando estiver descendo.




Enviado por André Moragas

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