A internet pode ser um perigo para a memória

A internet produziu transformações espetaculares nas sociedades na última década, mas a mais profunda delas só agora começa a ser estudada pela ciência.

Um dos estudos mais completos foi publicado semana passada. Conduzido pela psicóloga Betsy Sparrow, da Universidade Columbia, e por outros dois colegas, mostra que a memória processada pelos 100 bilhões de neurônios do cérebro está se adaptando rapidamente a era da informação imediata. Uma das conclusões da pesquisa é de que nós nos preocupamos menos em reter informação porque sabemos que elas estarão disponíveis na internet. Em lugar de guardar conhecimento, preferimos guardar o local na rede onde eles estão disponíveis. A internet se tornou uma memória externa.

Na frase genial do brasileiro Miguel Nicolelis, “ o cérebro é orquestra sinfônica em que os instrumentos vão se modificando à medida que são tocados”.

O cérebro é uma estrutura que aprecia desafios e se transforma com eles. Facilitar sua atividade pode, como mostra o estudo da pesquisadora Sparrow, torná-lo mais preguiçoso e menos ávido por se aperfeiçoar.

Os céticos das teorias de que a internet está mudando radicalmente o cérebro humano sustentam que a história está cheia de exemplos de novas tecnologias que foram recebidas com desconfiança que, posteriormente, se mostrou infundada. Na Grécia Antiga Sócrates lamentou a popularização da escrita.  Ele defendia a tese de que a substituição do conhecimento acumulado no cérebro pela palavra escrita tornaria a mente preguiçosa e prejudicaria a memória.

Talvez a salvação de nossa orquestra cerebral nos tempos da internet venha pelo mesmo caminho: a intensa troca de conhecimento e experiências.




O americano Nicholas Carr, 52 anos é formado em inglês e faz mestrado em literatura americana. Tornou-se escritor de não ficção. Escreve livros sobre cultura, economia e especialmente tecnologia.

Carr publicou artigo na revista The Atlantic dizendo que, talvez a rede mundial estivesse nos idiotizando. Ele contava que como usuário intensivo da internet, vinha observando que sua capacidade de concentração e contemplação já não era a mesma. Ler um livro estava virando um sacrifício

Abaixo sua entrevista a Veja que vale a leitura:


 
O que o senhor achou da pesquisa que mostra que o cérebro tende a esquecer o que pode ser achado facilmente na Internet?
A pesquisa é fascinante. Ela mostra a enorme plasticidade do cérebro. Claro que a memória humana já passou por mudanças com o advento de outras tecnologias de comunicação e informação, mas nunca tivemos à nossa disposição um estoque tão vasto e tão fácil de acessar como a internet. Talvez estejamos entrando numa era em que teremos cada vez menos memórias guardadas dentro do cérebro.

Quando descarta a memória fácil de recuperar e armazena a memória que pode sumir, o cérebro está sendo inteligente?
Não. Acho isso perigoso. A perda de motivação para memorizar informações pode degradar nossa capacidade cognitiva. Na história humana, sempre guardamos memórias em lugares externos, fora do cérebro. A diferença, agora, é que a internet é imensa. O cérebro pode descartar um enorme volume de informações. Ou seja: no passado, tínhamos lugares externos para complementar nossa memória; agora, a internet pode substituir nossa memória. É um perigo. A memória fora do cérebro não é igual à memória dentro do cérebro. O que guardamos na cabeça nos permite fazer associações, conexões, aprofundar o conhecimento, elaborar, reelaborar. É isso que nos torna únicos.

Sócrates, o filósofo grego, reclamava do advento da escrita, dizendo que era um estímulo ao esquecimento. A internet não é a mesma coisa, em uma nova escala?
Há um diferença importante. Sócrates reclamava do ato de escrever antes de a forma do livro ter sido inventada. Ele estava certo no estímulo ao esquecimento proporcionado pela escrita, mas a chegada do livro ajudou a ampliar a memória humana ao contribuir com o aumento de nossa atenção, da nossa capacidade de concentração. É possível que a internet, em algum momento no futuro, também seja complementada por outra invenção ou comece a ser usada de um jeito diferente, de modo a passar a exercer um papel semelhante ao que o livro teve para a escrita. Mas examinando-se a história da internet nos últimos vinte anos, o que se vê vai na direção contrária. Cada vez mais, a maioria das pessoas usa a internet para ter acesso a informação rápidas, curtas.

"Acho que, ao usar tanto meu computador
para navegar na rede, acabei treinando
 o meu cérebro para de distrair, mudar o foco,
dividir a atenção rapidamente.
Para ler um livro, tenho de
combater esse novo instinto"

O senhor acha que a internet está mudando nosso modo de pensar?
Sem dúvida. A internet estimula certos modos de pensar e desestimula outros. O pensamento atento, focado, concentrado é algo que ela claramente desencoraja. A internet estimula o usuário a folhear, passar os olhos, não a mergulhar com profundidade. Com a rede, nosso conhecimento está mais amplo, mas mais superficial.

Ao mudar seus hábitos on line, o senhor conseguiu recuperar a concentração necessária para ler um livro como Guerra e Paz?
Consigo ler, mas é mais difícil do que antes. Tenho de fazer um esforço. Posso sentir minha cabeça resistindo contra ficar focada num conjunto de páginas por determinado período. Acho que, ao usar tanto meu computador para navegar na rede, acabei treinando meu cérebro para se distrair, mudar de foco, dividir a atenção rapidamente. Para ler um livro, tenho de combater esse novo instinto.

Seu artigo publicado na revista The Atlantic indagava se o Google estava nos tornando idiotas. O senhor chegou a uma resposta?
Escrevi o artigo, mas o título quem deu foi um editor da revista. Eu não usaria a palavra “idiotas”. No fim das contas, acho que o Google, ou a internet de modo mais geral, está nos tornando superficiais como pensadores. Trato disso no meu último livro. Em algum momento deste ano, deve ser publicado no Brasil, inclusive.

Qual a editora?
Espere um momento... Só um momento...

O senhor está consultando a internet?
Pois é, estou conferindo no site do meu livro.

Ainda bem que a internet existe, não?
Mas acho que se eu estivesse sem acesso à internet eu conseguiria me lembrar. Está aqui, é Ediouro.

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Fonte: Revista VEJA impressa – Ed.2226

Comentários

  1. Parabéns! Reportagem muito interessante! Consigo observar em mim diversos traços descritos no texto. Assim como o entrevistado, percebo dificuldades em me concentrar ao ler um livro ou um texto mais elaborado. Acredito que haja forte influência da busca constante por informações rápidas e a despreocupação em memorizar informações de fácil acesso na internet.

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  2. creio que o Carr está certo, mas de um ponto de vista incorreto. explico: descartamos o que é descratável (coisas de 'trabalho'); coisas que NÃO são 'realmente' importantes... de ficarem retidas em nossa memória pessoal, como aquela clássica piada de ter que decorar os afluentes do Amazonas seria uma coisa importante de se guardar para toda vida :))

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