As empresas ficaram melhores para trabalhar
Um levantamento dos 15 anos de GPTW no Brasil mostra como as companhias mais avançadas montaram pacotes de benefícios e remuneração para aumentar a satisfação e o engajamento de seus profissionais
O conjunto de benefícios oferecidos pelas grandes empresas a seus funcionários vem se transformando em um pacote generoso, e até inovador, de comodidades. Os benefícios oferecidos pelas melhores empresas eleitas pela consultoria Great Place to Work (GPTW) em parceria com ÉPOCA incluem verba extra para estudos, flexibilidade para trabalhar em casa e internet doméstica. E ainda vantagens criativas, como sessão de massagem, salão de jogos, sala da soneca, happy hour na empresa, eventos esportivos valendo bônus salarial, bonbonnière com salgados e docinhos. Há até verba para decorar a própria estação de trabalho.
A principal razão para as empresas se esmerarem cada vez mais para atrair e reter os melhores talentos é o crescimento econômico constante dos últimos anos e a escassez de mão de obra qualificada no Brasil. A situação econômica recente ajudou empresas de todos os setores a colher resultados recordes. Com isso, mais delas passaram a investir em ações para segurar seus melhores profissionais. O crescimento econômico elevou a renda e derrubou o nível de desemprego. O índice de pessoas desocupadas no Brasil encerrou 2010 em uma média de 6,7% – o menor porcentual desde 2002. No primeiro semestre de 2011, o desemprego seguiu caindo mês a mês. O índice se aproximou daquele que os economistas consideram pleno emprego. Por um lado, a crise econômica internacional preocupa as empresas daqui. Mas as perspectivas ainda são de que as companhias deverão continuar investindo para crescer.
As transformações econômicas do país na última década também mudaram o mercado de trabalho. Criaram uma nova relação com os empregadores. “Hoje, são os trabalhadores quem selecionam as empresas para trabalhar”, diz Ruy Shiozawa, presidente do GPTW no Brasil, responsável pelo levantamento das Melhores Empresas para Trabalhar. Essa é uma das principais conclusões não só dos resultados deste ano da pesquisa GPTW. Também é o balanço das 15 edições de GPTW no país, desde que o levantamento começou a ser feito, em 1997.
Segundo o levantamento, mesmo as empresas que já eram consideradas as melhores para trabalhar estão ficando ainda melhores. A pesquisa GPTW avalia a qualidade das companhias a partir de notas dadas pelos funcionários de mais de 700 empresas. Em 1997, cerca de 74% dos funcionários das 30 empresas da primeira pesquisa GPTW diziam-se satisfeitos onde trabalhavam. Em 2011, esse porcentual cresceu para 84%. No quesito imparcialidade, a evolução foi grande. Essa categoria mede se a empresa é isenta na hora de fazer promoções e se reconhece seus funcionários pela qualidade do trabalho. Nesse quesito, no GPTW de 1997, cerca de 69% dos funcionários consideravam suas empresas imparciais. Hoje, são 80%.
A análise dos 15 anos de GPTW evidencia algumas constantes entre as melhores empresas para trabalhar. Elas dão extrema atenção aos processos de recrutamento e seleção, o que é compreensível se querem manter uma cultura forte e homogênea. Da mesma forma, tanto o desenvolvimento profissional quanto a criação de oportunidades são mais frequentes. As melhores também celebram mais as conquistas, atribuídas ao esforço das pessoas. Apesar da tendência geral de oferecer mais benefícios aos funcionários e retribuir os resultados obtidos, as estratégias de cada empresa não fornecem uma receita pronta. “É difícil replicar as melhores práticas de uma empresa em outra”, diz Shiozawa. Mas elas podem inspirar.
O bom momento da economia vem sendo construído desde a implantação do Plano Real, em 1994, segundo Marcelo de Lucca, diretor executivo da Michael Page, uma das maiores consultorias de recrutamento do país. “Foi um período que garantiu a sustentabilidade do investimento e criou uma espécie de círculo virtuoso no país: mais renda, mais consumo, mais investimento, mais emprego e, de novo, mais renda.”
Um dos efeitos do crescimento é a escassez de profissionais. As empresas precisam remunerar melhor para atrair talentos. Segundo De Lucca, os salários de alguns cargos executivos estão de 40% a 50% mais altos que há quatro anos. Essa mudança é mais gritante longe das grandes capitais do país. Em alguns polos recém-desenvolvidos, é muito difícil achar os profissionais necessários. É o caso de Macaé, no norte do Rio de Janeiro, onde fica a sede das operações da Petrobras na Bacia de Campos. Desde que a estatal anunciou a descoberta do petróleo do pré-sal, em 2007, Macaé passou a atrair várias empresas de energia. O salário inicial de um gerente da área de petróleo e gás, que em São Paulo é de R$ 8 mil, em Macaé chega a R$ 14 mil.
Cerca de 83% dos funcionários se dizem satisfeitos com as empresas em que trabalham hoje
A transformação também estimula um crescimento mais bem distribuído pelo território nacional. “São Paulo e Rio de Janeiro ainda são os principais mercados e os que pagam melhor”, diz De Lucca. “Mas se vê uma descentralização forte, com os salários de outras regiões se aproximando dos pagos no Sudeste.” A Coelce, distribuidora de energia do Ceará, calcula pagar a seus técnicos e especialistas até 20% acima da média do Nordeste. “Mesmo assim, às vezes, demoramos mais de 60 dias para preencher uma vaga”, diz Márcia Sandra, diretora de recursos humanos. Para dar conta do consumo de energia do Ceará, que subiu mais de 15% desde 2008, a Coelce contratou 30 pessoas e tem 19 vagas de técnicos e engenheiros em aberto. Somam-se ainda cerca de 7 mil eletricistas e colaboradores indiretos, que auxiliam no atendimento dos 184 municípios que compõem a área de concessão. “Há 15 anos, sobravam gestores e faltavam vagas. Tínhamos um banco de currículos e, quando precisávamos, escolhíamos alguém”, diz Sandra. “Hoje, terceirizamos parte do serviço, fazemos promoções internas, damos cursos de capacitação, buscamos gente de fora e ainda assim falta pessoal qualificado.” No ano passado, 370 funcionários receberam algum tipo de promoção na empresa.
Neste ano, a Coelce aparece no ranking do GPTW pelo quarto ano consecutivo. Cuidar dos funcionários dá retorno. A empresa também foi eleita a melhor concessionária de energia do país nos últimos dois anos, no ranking da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee). “As empresas com os melhores ambientes de trabalho têm menor rotatividade, resultados melhores e o mais elevado índice de satisfação entre os clientes”, diz Shiozawa, do GPTW.
O quadro atual enfrentado pelas empresas reflete uma realidade bem diferente daquela com que o paulistano Marcos Ablas, de 37 anos, deparou ao concluir a faculdade, há 15 anos. Formado em engenharia elétrica – justamente o tipo de profissional que empresas como a Coelce procuram –, Ablas é dos poucos de sua turma que permaneceram na área. Os demais, por falta de oportunidade, buscaram outras ocupações. “Muitos foram estagiar em bancos e seguiram a carreira financeira.” Ablas estagiou por um ano em projetos de energia. Sem perspectivas no setor, acabou efetivado em outra área, a das telecomunicações. O setor começou a despontar com a privatização da Telebrás, em 1998, que resultou em várias novas empresas e na instalação de dezenas de fornecedores no país. Hoje, Ablas é consultor de tecnologias da informação e comunicação. Não faltam convites. Ainda assim, ele não sai da Promon, onde entrou há 15 anos. A Promon conseguiu a façanha de ser a única empresa a constar na lista do GPTW em todas as suas 15 edições. “É uma empresa que valoriza muito o funcionário. Permite o desenvolvimento profissional, dá liberdade e transita por negócios diferentes. Todos esses são fatores que pesam mais que apenas ganhar um bom salário”, diz.
Os fatores que garantem a Ablas segurança e satisfação no trabalho são essenciais a todos os negócios. “O mercado entendeu que não bastam apenas os benefícios tangíveis, como plano de saúde e previdência, para ter funcionários satisfeitos. Se fosse assim, a lista estaria cheia de estatais”, diz Shiozawa, referindo-se às benesses do funcionalismo público, como a estabilidade no emprego ou juros mais baixos na hora de pegar financiamento. Não há uma única estatal entre as 130 empresas da lista GPTW. “Não é uma questão de salário. Não é uma questão de benefícios. É uma questão da cultura da empresa”, afirma Shiozawa. É o que faz o Google não só despontar pela segunda vez como o primeiro colocado da lista GPTW, como fazer parte do imaginário dos futuros profissionais. “Minhas três filhas adolescentes vivem me perguntando o que eu fiz para entrar aqui”, diz Fábio Coelho, presidente da subsidiária brasileira do Google.
O Google pode ser o melhor exemplo de ambiente privilegiado de trabalho, mas está longe de ser o único. “Empresas como o Google têm uma identidade própria, e o esforço é no sentido de fazer o funcionário se orgulhar de fazer parte dessa identidade”, diz Shiozawa. Isso passa por fatores como a possibilidade de diálogo com as chefias, o reconhecimento dos esforços, suporte nas dificuldades, um ambiente de trabalho amistoso e uma combinação de liberdade e confiança. “A preocupação das pessoas é com a qualidade de vida”, afirma Shiozawa. “Elas não querem necessariamente trabalhar menos. Querem ter horários mais flexíveis. Hoje, passamos mais tempo conectados e, por consequência, mais envolvidos. Os profissionais anseiam por mais autonomia, pois sabem que, quando for necessário trabalhar muito, trabalharão, sem problemas.”
No Google, essa flexibilidade se materializa na forma de uma mesa de bilhar, um videogame ou uma sala de descanso. É o estilo que surgiu nas empresas de tecnologia do Vale do Silício, o lar do Google. A Promon não tem sala de recreação. Mas, quando possível ou necessário, seus funcionários podem fazer parte do trabalho em casa. Na Coelce, programas de intercâmbio com outras empresas do grupo, como a espanhola Endesa, estimulam a mobilidade dos contratados. Cada empresa, a seu estilo, encontra uma forma de dar espaço a seu profissional.
Adotar um ambiente de trabalho agradável e um horário flexível tem um apelo especial para os jovens em torno dos 20 anos, que cresceram navegando na internet, disparando torpedos, relacionando-se nas redes sociais e agora chegam ao mercado de trabalho. Formam a chamada geração Y. Para eles, local de trabalho agradável e horário flexível são ideais de satisfação pessoal e estão ligados à imagem de um mundo mais justo – nada que lembre a velha rotina corporativa estafante, repetitiva e com um mínimo de jogo de cintura. Na pesquisa GPTW 2010, 32% dos postos de trabalho das melhores empresas para trabalhar eram ocupados pela geração Y, 58% pela geração X, a de seus pais, nascidos nos anos 1960 e 1970, e 10% pelos “baby boomers”, os nascidos logo após a Segunda Guerra. “A geração Y é um público questionador e pouco comprometido, mas que vem com todo o gás”, diz De Lucca, da Michael Page. “É um funcionário que não veste a camisa da empresa com tanta facilidade, a não ser que os valores sejam muito claros e coerentes. E, se a empresa não se adaptar a isso, eles vão embora.” Esses jovens não cobram apenas melhores condições de trabalho, mas também o comprometimento da empresa com questões éticas, sociais e ambientais. Segundo Shiozawa, esses temas começaram a aparecer espontaneamente nos questionários do GPTW nos últimos anos. “Esses jovens querem que seus valores pessoais estejam alinhados com os valores da empresa.”
É onde se encaixa Jonathan Ka Huntso. Ele tem 24 anos, formou-se em engenharia de produção em 2010 e foi um dos 22 selecionados para a turma de trainees 2011 da Ambev, um processo que contou com 72 mil inscritos. Huntso não hesitou em fazer ressalvas à empresa em que trabalha. “Nunca pensei em trabalhar na Ambev. Sabia de pessoas que tinham tido problemas aqui e não tinha certeza se seria legal”, diz. “Mas resolvi conhecer e vi que é uma empresa com um programa muito bom, pessoas com muita experiência e um sistema de meritocracia muito rígido.”
Numa história bem diferente de Ablas, recém-formado e quase sem perspectivas de inserção no mercado, Huntso não sofreu com a falta de opção na hora de procurar o primeiro emprego. No último ano da faculdade, participou de cinco processos seletivos diferentes. “Meus amigos prestaram uns 20, eu que não quis”, diz. “Todos estão hoje em alguma empresa bacana.” O que é uma empresa bacana? “É um lugar que me dê sempre desafios maiores e que seja minha cara. Minha meta não é ser chefe ou coisa do gênero. Não sou ligado a cargos. É uma coisa mais subjetiva, de satisfação pessoal.” Por outro lado, o que seria uma empresa ruim? “Um lugar onde as pessoas trabalham com falta de ética e não colaboram para um ambiente favorável”, diz Huntso. “Não trabalharia em um lugar assim nem por todo o dinheiro do mundo.”
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